terça-feira, 30 de agosto de 2011

O galã do cemitério

Mora Alves

Foi uma notícia terrível, de cortar o coração. O querido Zé, que trabalhou anos e anos naquela empresa, de uma hora para outra, bateu com as botas. Deixou o velho e amigo camarada, o Severino, um sujeito baixinho, cabelos grisalhos - tingidos, vez em quando -, solteirão convicto, metido a galã.

Andava sempre com um pente no bolso da camisa. O tal objeto era um acessório indispensável, pois tinha pavor de que seus cabelos ficassem em desalinho; e se de repente pintasse um broto? Não, ele não podia se descuidar!

Quando recebeu a notícia da morte do amigo, foi como se um raio caísse em sua cabeça, até pensou em se jogar de um viaduto, tamanha foi a sua dor, porém se conteve. “A vida continua...”pensou. E naquela manhã de um calor insuportável, ele foi para casa e escolheu o melhor terno, e até usou uma loção com uma fragrância forte. O amigo que desculpasse, mas mesmo sendo numa ocasião como aquela, não podia desses detalhes. E se de repente aparecesse o grande amor de sua vida? - dizia ele com seus botões, enquanto se ajeitava no espelho.

Com muito pesar se dirigiu para o velório, e lá chegando, rapidamente passou o olhar pelo recinto, como um gavião procurando sua presa. No entanto só encontrou os amigos da empresa e o velho amigo ali estendido. A comoção era geral, pois todos gostavam demais do Zé.

Depois da última homenagem, todos se dirigiram para o local do sepultamento Severino ia cabisbaixo, amparado por alguns amigos, tamaha dor. Antes do corpo descer a sepultura, poderiam jogar um punhado de terra na cova, num último adeus. Severino, como que num ritual, antes de executar o pequeno gesto, mais do que depressa pegou seu pente e arrumou os cabelos e somente depois pegou o punhado de terra. O que ele nem imaginava, porém, acabou acontecendo. Ao arremessar o punhado de terra, se desiquilibrou e caiu dentro da cova.

Severino ficou tão apavorado que começou a gritar por socorro, e a dizer que era muito jovem ainda, e que não queria morrer antes de encontrar seu grande amor. Os amigos mais do que depressa o tiraram dali, pálido e tremendo feito vara verde. Ainda por cima gritava de dor, pois havia fraturado a clavícula. Como se não bastasse, e para seu desespero, todos caíram numa tremenda gargalhada. Não, não tinha como não rir daquela cena tão pitoresca.

Logo após o enterro Severino foi socorrido num hospital, ficando afastado do trabalho por seis meses. O acontecimento já tinha se tornado motivo de piada na empresa, e como a vida segue seu rumo, quando ele voltou, ainda um tanto sem graça pelo vexame daquele dia, foi recebido por todos como o galã do cemitério.

Mora Alves

Histórias que o povo conta
www.moraalves.com

Maria Aparecida Moreira Alves é minha irmã e também escreve. Nascida em São Paulo, casada, três filhos, funcionária pública na Secretaria da Saúde no município de Guarulhos-SP, na qual é moradora desde 1983. Escreve poesias, e atualmente tem se encontrado também escrevendo contos, e um romance. Usa o pseudônimo Mora Alves e já participou de antologias pela editora AllPrint. Uma frase que define tudo o que já viveu: “estamos sempre escrevendo a nossa História; Se tivesse que reescrever a minha, ficaria tudo exatamente igual, não mudaria nem uma vírgula”.

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